30/11/2018

Fé na humanidade: ligeiramente restaurada

Acho sempre que sou uma pessoa que não dá demasiado nas vistas, apesar de ser bastante fiel a sítios e a pessoas: vou à Anabela e à Paula à fruta. Já me conhecem no supermercado, porque invariavelmente vou por volta da mesma hora. A senhora da loja a granel? Unha com carne. A Dona São dos congelados só lhe falta vir às minhas festas de aniversário, de tão bem que trata as pessoas, como se fossem as mais importantes do mundo; merecia acesso a pelo menos duas fatias de bolo.

Depois há sítios onde não vou assim tanto, vou voltando ocasionalmente: é o caso da mercearia que vende pão alentejano. A senhora é alentejana e de poucas falas, mas parece reconhecer-me porque trago quase sempre o mesmo: pão alentejano. Enquanto pagava hoje, disse entredentes, bela dor de cabeça, deve ser da fome. E continuei a guardar as compras. Vejo a senhora lentamente a dar a volta ao balcão, a pegar num frasco e a aproximar-se. 

"- Tire uma castanha do maranhão! Já lhe passa a dor de cabeça!"

E isto, isto é o motivo porque gosto mesmo de morar num bairro a sério.

(E sim, claro, aceitei a castanha do maranhão.)

Caro mundo, eu admito que nunca vou ser minimalista

Eu tenho até alguma pena, mas claramente não fui talhada para o minimalismo. Agrada-me a simplicidade e a descomplicação, gosto de espaços arejados e sem tralha; gosto de agilizar decisões; o projecto mental tinha tudo para ser um grande sucesso.

Sempre que me convenço que tenho de destralhar, após aí uns 70 dias (com sorte) que dividem a decisão e a colocação em práctica (não perguntem, sou pessoa que demora a passar à acção), passados 3,5 minutos de afinco, viro saudosista inveterada: "oh, mas este boneco deu-me a X no Natal", "esta fotografia não está nada de especial, mas lembra-me um bom dia", "esta rolha foi da passagem de ano do milénio", "se calhar ainda vou usar estes sapatos", "este sapo de pelúcia é tão fofinho". Sim, é sagrado: quando tento entusiasmar a costela desapegadora com argumentos racionais imbatíveis, acabo por fracassar a tentar.

Resolvi tentar ficar em paz com isso; é que de facto, eu não tenho de ser minimalista. Eu posso gostar de coisas, pelo menos enquanto isso não for preocupante e tiver divisões cheias de sacos ou pelúcias. Não faz mal ter lembranças do passado, porque também fazem sentido para sermos aquilo que somos e dão-nos alento, fazem-nos pertencer a sítios e a pessoas. Sim, eu tenho alguma tralha e admito; mas acho que o mundo não fica assim tão menos agradável por causa disso. Portanto, #praticaoapego.